São Paulo, 03/08/2018 – Os processos trabalhistas contra empresas da Indústria caíram praticamente pela metade em 2018 na comparação com média dos últimos três anos, revela um levantamento do Tribunal Superior do Trabalho feito a pedido do Broadcast. Desde a entrada em vigor da reforma trabalhista, a Indústria foi o setor que registrou maior redução no número de abertura de novos processos, ainda que os setores de Comércio e Serviços também apresentem recuo na média mensal de disputas trabalhistas acionadas na Justiça.
Neste ano, já sob vigência das novas regras, a média dos processos abertos por funcionários da Indústria contra empregadores ficou em 25.951 por mês conforme os dados mais recentes, até junho. Nos últimos três anos, a média mensal foi de 50.437 novas ações. O movimento representa expressivo recuo de 48,5%. Para advogados consultados pelo Broadcast, a queda reflete um movimento de “adequação” das reclamações às novas normas e dispositivos implementados pela reforma trabalhista.
A reportagem cruzou os dados do TST com o estoque de empregos formais por setor ao final de cada ano (no caso de 2018, foi aplicado o estoque de empregos em junho). Os números sobre estoque de empregos formais foram disponibilizados pelo economista Thiago Xavier, da Tendências Consultoria Integrada.
Os cálculos mostram que, para cada mil funcionários da Indústria, foram abertos em média 3,6 processos trabalhistas por mês. Nos últimos três anos, a média era de 6,9 processos para cada mil funcionários.
Comportamento mensal das ações trabalhistas contra Indústria
Antes da reforma* 50.437
Processos/Mil Trabalhadores 6,9
Após reforma** 29.951
Processos/Mil Trabalhadores 3,6
Queda no volume processual -48,5%
*Média mensal entre 2015 e 2017
**Média mensal de 2018, até Junho
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho (TST)
O pagamento de honorários de sucumbência da parte reclamada em caso de derrota é um dos aspectos da nova legislação que levou trabalhadores e seus advogados a avaliar melhor a abertura de novos processos, aponta o advogado Maurício de Lion, sócio da área trabalhista do Felsberg Advogados.
“Foi uma inovação muito positiva, pois aumenta a responsabilidade dos reclamantes. Antes, se pedia tudo nas ações – dano moral era quase obrigatório”, afirma. “Agora, se perder, ele terá que suportar parte dos honorários do advogado da empresa, é um divisor de águas. A diminuição está muito ligada à sucumbência”, comenta De Lion.
Na mesma linha, a advogada Claudia Securato, sócia do Securato e Abdul Ahad Advogados, explica que o risco de pagamento de custas processuais e periciais pelo trabalhador, em caso de derrota na Justiça, acarreta em decisões mais cautelosas e criteriosas por parte de advogados e trabalhadores. “A reforma realmente mexeu com tudo. As reclamações estão bem abaladas, foi uma queda brutal sobre o ritmo do ano passado. Temos visto um receio enorme dos empregados em processar”, afirma.
Mesmo com a forte queda, as empresas do ramo industrial são as mais expostas à judicialização em comparação aos setores de Comércio e Serviços.
Os especialistas em Direito do Trabalho explicaram ao Broadcast que, além da atividade industrial incorrer maiores riscos aos funcionários – o que pode elevar o número de contestações judiciais sobre adicional de periculosidade e insalubridade -, os trabalhadores do setor também têm um histórico de maior engajamento em relação a disputas trabalhistas e envolvimento sindical.
“O índice de litigiosidade da indústria sempre foi maior [em relação a outros segmentos]”, explica a advogada Gisela Freire, sócia da área trabalhista do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados. “As dispensas coletivas e PDVs (programa de demissão voluntária) acontecem muito mais na Indústria do que em Comércio e Serviços”, ressalta a especialista. “A maioria das ações trabalhistas estão em contratos já rescindidos, então é natural que seja a Indústria o setor historicamente mais litigado”, explica Gisela.
A especialista destaca o efeito da reforma trabalhista na forte redução dos processos. “Não há dúvidas de que o impacto da reforma para a Indústria seja bem benéfico no aspecto da queda de litigiosidade. É um respiro, um fôlego às empresas do setor”, destaca a sócia do Sousa Cescon. “Processo trabalhista é um item que onerava demais as empresas, não só pelos gastos indenizatórios, mas também por outros custos, taxas, honorários advocatícios e periciais, assim como o tempo da ação, que vem diminuindo”, explica Gisela Freire.
De Lion, do Felsberg Advogados, ressalta o papel da redução dos processos como um fator positivo ao planejamento financeiro da Indústria. “Com essa diminuição das ações e com processos com valores mais próximos a realidade, certamente a contingência das empresas tende a diminuir drasticamente”, avalia.
Ele ainda aponta que, mais do que a diminuição do contingenciamento e o impacto positivo sobre os balanços financeiros, as empresas poderão ter ganhos de produtividade a partir de novas possibilidades de planejamento organizacional. “O banco de horas é um exemplo dessa influência positiva. A empresa não terá mais que fazer uma provisão tão grande de horas extras, já que pode compensar picos sazonais de demanda com folga aos trabalhadores em momentos menos aquecidos, sem precisar de um acordo com sindicato”, explica.
Redução sustentável?
Para Claudia Securato, a queda da litigiosidade trabalhista veio para ficar. “A queda de ações tende a se perpetuar. Pode até ocorrer alguma retomada, mas não voltará aos patamares anteriores”, avalia. A advogada lembra que o Brasil, antes da reforma, era um dos países mais litigantes do mundo na esfera trabalhista. “Quem sabe, em pouco tempo, possamos deixar este posto.”
Mauricio de Lion entende tratar-se de uma questão cultural muito forte que a reforma trabalhista está mudando. “Talvez ainda demore para que ocorra um ajuste, espero que o número possa cair mais entre um ano e um ano e meio”, comenta. “Existem algumas indefinições em determinados pontos da reforma que, tão logo resolvidos, tende a fazer o número diminuir ainda mais”, explica o advogado, citando dúvidas sobre o trabalho intermitente, o trabalho de grávidas em ambientes insalubres como exemplos.
Ao mesmo tempo, a sócia do Sousa Cescon, Gisela Freire, pondera que o prazo curto de vigência da reforma ainda não permite cravar a tendência dos processos trabalhistas no Brasil. “É preciso mais um tempo para que todos entendam como a Justiça vai caminhar daqui para frente”, analisa.
(Caio Rinaldi – caio.rinaldi@estadao.com)
03/08/2018 09:30:50 – AE NEWS