Em novembro de 2017, entrou em prática a Reforma Trabalhista. Ao todo, 54 artigos da CLT foram alterados, 9 revogados e 43 criados, modificando cerca de 10% da legislação trabalhista. Com o objetivo principal de reduzir o índice de desemprego no país, a expectativa do antigo governo era criar dois milhões de postos de trabalho formais em 24 meses, e até agora, 18 meses depois, a taxa de desemprego chega a 12% – mesmo número pré-reforma. Mesmo que de janeiro a setembro de 2018, foram criados 719.089 postos de trabalho formal em todo o país, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), nas palavras do professor da Fea/Usp, Hélio Zilberstajn “a reforma melhorou a dinâmica das relações do trabalho, mas ela por si não cria empregos”.
As medidas adotadas para diminuir o desemprego consistiram na criação de novas modalidades de contrato de trabalho, e a flexibilização das relações entre empregado- empregador. Entretanto, o objetivo deste artigo não é de comentar o que já foi feito pela reforma trabalhista, mas sim o que poderia ter sido feito.
Apesar da geração de novos empregos depender significativamente do crescimento econômico e dos investimentos públicos e privados (exatamente o contrário do que ocorreu no Brasil no período de 2015-2018), a redução da jornada de trabalho foi uma oportunidade desperdiçada pela nova lei que desde o início tentou combater o desemprego.
Temática amplamente discutida, a redução da jornada de trabalho é uma luta constante na classe operária desde o século XIX, período que estrelou a Revolução Industrial, e inaugurou uma redução de jornada, bem como melhoria na vida dos trabalhadores dentro de um sistema capitalista (na época, um trabalhador inglês que ficava em média 18 horas por dia na fábrica, passou a trabalhar em média 10 horas diárias).
A questão da redução da jornada de trabalho é uma alternativa que se mostra eficaz contra o desemprego, sobretudo traz um alto impacto social na vida operária. Há 21 anos, temos a jornada de trabalho de até 44 horas semanais garantida na Constituição Federal de 1988, sendo a última ocasião em que houve alguma alteração. Desde então, a redução para o máximo de 40 horas semanais com a garantia da Constituição, está em discussão.
Atualmente, 101 países possuem o limite de 40 horas semanais, o que é estabelecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), desde 1935, como a jornada de trabalho ideal. Tal medida teve como objetivo, prioritariamente, reduzir o desemprego disseminado pelo mundo com a crise de 1929.
Inicialmente, analisa-se a redução da jornada de trabalho – RJT – sob as diferentes perspectivas: do empregado e do empregador. Para o trabalhador, a maior preocupação com redução da jornada é a diminuição de salários e a perda de benefícios, fatores que, indubitavelmente, prejudicariam os efeitos positivos da redução. Mantendo todos os benefícios e condições de trabalho, o maior impacto da RJT para os trabalhadores está entrelaçado à qualidade de vida, à saúde física e mental, e por óbvio, mais tempo livre. O doutrinador e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado, enfatizou que a redução da jornada de trabalho é uma questão de cidadania, uma vez que a diminuição para 40 horas semanais é equilibrada, com ganho social significativo. Afirma, ainda, que a cidadania é valorizada, pois o trabalhador passa a ter mais tempo para se dedicar às atividades familiares e socioculturais.
Por outro lado, quem contrata imagina que a redução seria prejudicial ao negócio, gerando novos gastos, e não haveria um aumento na produção, resultando em prejuízos. Basicamente, esse custo da RJT para a produção é o aumento do salário por hora dos trabalhadores empregados, e caso seja necessário manter o mesmo tempo de trabalho na produção, advirão custos fixos de contratação de novos empregados (treinamento, transporte, alimentação, saúde e outros direitos trabalhistas) ou o pagamento de um maior número de horas extras com seu respectivo adicional. Contudo, por mais correta que esta linha de raciocínio pareça, não é, e se faz necessário pensar em questões macroeconômicas, com resultados a longo prazo, e sobretudo, melhoria de produtividade dos trabalhadores.
O grande conflito surge quando partimos da premissa que este aumento de custo surgirá a partir da redução da jornada de trabalho, como um ponto inicial, até de fato surtirem os efeitos desejados da RJT, ou seja, quem arcará com este custo inicial indesejado? Serão os trabalhadores através da diminuição de salários; pelos empresários, com a redução das margens de lucro; pelos consumidores, com a elevação dos preços; ou pela sociedade, através de isenções fiscais ou subsídios financeiros concedidos pelo governo? Todavia, pensar em um ponto de partida é descaracterizar toda a história do trabalho na humanidade. No debate político, essa estratégia é bastante utilizada pelo setor empresarial, tendo em vista que não é do seu interesse colocar em discussão como e por quem foram apropriados os ganhos de produtividade do passado, bem como pouco se discute a respeito da evolução da distribuição funcional da renda.
O representante do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Nelson Karan, ressaltou que, segundo os cálculos da instituição, a participação do salário no custo do produto é de 22%, e a redução da jornada de trabalho para 40 horas implica um impacto de 1,99% no custo da produção. Em países que adotaram a redução da jornada de trabalho, como França, Canada, Japão, Alemanha, Austrália, China, e outros, a alternativa foi o rateio do custo por todos os setores, de forma indireta, por isenções fiscais, diminuição da margem de lucro e compensação parcial dos salários. Como ponto central, a RJT se aprofunda na criação de novas alternativas, como o aumento da produtividade do trabalho e do “capital”, onde o financiamento da redução ocorreria através dos valores adicionados advindos em consequência da RJT.
Ponto indispensável para o debate, o aumento da produtividade dos empregados se mostra incontestável sob os aspectos psicológicos, sociais ou econômicos. Com a implantação da RJT, o nível de estresse e outros transtornos psicológicos dos trabalhadores caem significativamente, há mais tempo para sua vida pessoal, somados a mais foco e concentração no trabalho, o que consequentemente (somado a diversos fatores que modificam a vida do empregado) gera o aumento na produtividade.
Em 2016 a empresa de consultoria inglesa “Expert Market” analisou dados de 36 países em um estudo que dividiu o PIB per capita – que representa a produção por pessoa, em libras esterlinas – pelo número de horas trabalhadas, em média, por ano. Sete países que estão entre as maiores economias do mundo aparecem entre os dez com menor número de horas trabalhadas: Luxemburgo, Noruega, Suíça, Holanda, Alemanha, Dinamarca e Suécia.
A situação atual no Brasil é crítica, cerca de 12,7 milhões de pessoas estão desempregadas, sendo que a taxa média de desocupação em 2018 foi a maior dos últimos 7 anos em 13 capitais do país, e a expectativa da OIT, com o novo governo e uma possível recuperação na economia, é que esse número caia para 12 milhões até 2020.
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- A oportunidade desperdiçada pela Reforma Trabalhista - 08/05/2019