São Paulo, 26/01/2018

Após estimular, antes de entrar em vigor, uma corrida à Justiça do Trabalho, a reforma trabalhista provocou forte enxugamento no fluxo de processos ajuizados em varas trabalhistas assim que as mais de 100 alterações promovidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) começaram a valer.

De um total que costumava passar com facilidade da casa de 200 mil, as ações recebidas em primeira instância por tribunais trabalhistas de todo o País caíram para 84,2 mil em dezembro, primeiro mês completo da nova legislação (veja gráfico abaixo).

Além de não ser nem metade do volume processual registrado em dezembro de 2015 e 2016 – quando o total girou ao redor de 190 mil -, o número do mês passado é o menor num levantamento feito pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) com exclusividade ao Broadcast com dados mensais dos últimos três anos. Em novembro passado, por outro lado, o ingresso de ações trabalhistas em varas do Trabalho alcançou o pico da série trienal: 289,4 mil.

As dúvidas sobre como a nova lei seria aplicada pelos juízes e o maior rigor trazido pela reforma no acesso ao Judiciário – em especial, o dispositivo que impõe a quem perde o processo a responsabilidade de pagar custos processuais da parte vencedora – causaram, primeiro, antecipação e depois, com as novas regras em vigor a partir de 11 de novembro, paralisia das ações trabalhistas.

“Os advogados preferiram, como é natural, lidar com o conhecido e evitar os riscos do desconhecido”, comenta Estêvão Mallet, professor de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo. “Com a reforma, é natural aguardar algum tempo para ter mais elementos a lidar nos novos processos”, acrescenta.

Por um lado, a possibilidade de o trabalhador ter que bancar as chamadas despesas de sucumbência – honorários periciais e advocatícios da parte vencedora – em caso de derrota na Justiça ajuda a inibir demandas onde as chances de vitória são remotas. Por outro, a insegurança sobre como a reforma será interpretada por magistrados, bem como a respeito de como o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar a constitucionalidade de artigos da nova lei, leva advogados a esperar por maior clareza antes de protocolar novas petições.

Durante o mês passado, as ações trabalhistas não chegaram a mil em cinco dos 24 tribunais regionais do trabalho distribuídos pelo País: 14ª Região, que abrange Rondônia e Acre; 20ª (Sergipe); 21ª (Rio Grande do Norte); 22ª (Piauí) e 24ª (Mato Grosso do Sul).

No Tribunal Regional da 2ª Região, o maior do Brasil e que engloba varas da Grande São Paulo e da Baixada Santista, o volume de processos caiu para menos de 500 ações por dia após a reforma. Antes dela, vinha numa média diária superior a 3 mil, chegando a beirar 13 mil um dia antes de a lei entrar em vigor.

“Parece que há uma espera do que vai ser definido. Quem tem tempo, está aguardando”, afirma Carlos Eduardo Vianna Cardoso, sócio da área trabalhista no escritório Siqueira Castro Advogados.

Parte das dúvidas sobre como a reforma será aplicada começa a ser dirimida no mês que vem, quando o plenário do TST se reúne para decidir se valida o parecer encaminhado pela comissão de jurisprudência da Corte um mês antes de a reforma entrar em vigor e que, entre outros pontos, considera que as novidades trazidas por ela valem apenas a novos contratos. O entendimento foi manifestado também antes de a Medida Provisória (MP) 808 estabelecer que as alterações valem a todos os contratos vigentes.

Da mesma forma, o TST vai decidir se a cobrança de honorários advocatícios de sucumbência deve ser feita apenas nas ações ajuizadas após a reforma entrar em vigor. Se esse for o entendimento, trabalhadores que tiverem entrado com ações até 10 de novembro deverão ficar livres desse tipo de despesa em caso de derrota na Justiça do Trabalho. Hoje, esse risco ainda é real porque há casos de juízes que aplicaram a nova regra em processos antigos.

Além da revisão da jurisprudência do TST, que serve de norte aos tribunais de primeira instância, advogados aguardam o posicionamento do Supremo sobre 12 ações que questionam a constitucionalidade de artigos da reforma que versam sobre indenizações por danos morais, o fim da contribuição sindical obrigatória e a jornada de trabalho intermitente. As restrições colocadas pela nova lei à Justiça gratuita também são alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Para a advogada trabalhista Cláudia Securato, sócia do escritório Securato e Abdul Ahad Advogados, a tendência é que o fluxo de novas ações na Justiça do Trabalho volte a subir quando esses pontos forem resolvidos.

Ainda assim, ela acredita que as novas regras de sucumbência, assim como a exigência de que o trabalhador indique com precisão, já na petição inicial, o direito pleiteado e a indenização requerida, contribuirão para que as ações sejam mais “realistas”, desafogando o Judiciário de pedidos de indenização sem fundamento. Na opinião da especialista, isso pode permitir com que os processos sejam julgados mais rapidamente. “A Justiça do Trabalho poderá ficar mais célere, já que os processos devem vir mais enxutos, com menos pedidos”.

(Eduardo Laguna e Caio Rinaldi – eduardo.laguna@estadao.com e caio.rinaldi@estadao.com)